terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ALIENAÇÃO

Alienei-me.

sem perceber, nos rostos anônimos das ruas do centro, as vidas eificadas, meu espelho, mais que isso, é como se não houvesse gente, dentro de mim, a dizer-me: acorda!
volta-se as ações.
abre-se ao desconforto.
deixa-se levar pelo movimento da vida.

deixo que as contradições me atravessem, que o mundo me possua, me possua, me leve a reflexão, continue, pra que eu possa fazer e refazer, sem ter certeza, certo de estar certo.

o fazer é meu foco, como um pragmático intelectual, para sentir mudanças que não havia sentido.
deixo a apatia da alienação, a morte em vida, com ternura e faço meus dias.

volto-me as ações.
Abro-me ao desconforto.
Deixo-me levar pelo movimento da vida.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

FAZENDO AS HORAS

Como um guerreiro indígena
pinto-me para a guerra.
Levanto minha lança e lanço
gritos de indignação
sem medo do que venha a acontecer,
por andar de ombro a ombro
com aquilo em que acredito.
A fome e a opressão me fazem
ter essa coragem.

Para os sonhadores
sou mais um idealista
sob o pressuposto do idealismo.
Meus pais me ensinaram
os primeiros passos: como pensar,
a forma certa e errada de me portar,
encheram-me de juízos de valor;
aprenderam com quem?
Pergunto-me.

Fora do casulo
confronto as contradições,
daquilo que acho que sei,
com o que acham que sabem
os outros.
Alço vôo pelos jardins
e observo o roubo das flores;
permaneço calado.
Me deparo com o pisoteio
dos jardins e a caça as borboletas;
permaneço calado.
Quando por fim resolvo gritar
para o mundo, arrancam-me a voz
e cortam-me asas;
já não posso voar ou falar.

Fica claro que o movimento
na terra se acelera e não nos é possível
perceber ou descansar, sob a égide da barbárie.
Os cachorros continuam a obedecer às ordens
de comando, e nós que não somos domesticados,
ficamos calados de terror.
Afundado no travesseiro fantasio um levante;
ao acordar suado, sinto o gosto do mar na boca.
Um vírus me corrói corpo, está preste a me destruir.


Dormindo e acordando diante
das mudanças lentas, fica claro
que minto a mim mesmo, só repetindo
a história de outros heróis que não mais precisamos.
A televisão me mostra quem é Duro de matar,
Matando minha consciência.
Livros de apóstolos são lidos para embalar
meus dias e me alimentar de esperanças
enquanto o estômago ronca, com a promessa
de que todos os homens serão julgados um dia.
Não estamos atrás de vingança,
queremos igualdade em vida.
Nenhum monarca divino ou terreno deve traçar
nossos destinos: basta de sermos súditos!
Nem justiça ou Salvador aparecerão
nas prateleiras de algum supermercado.

Plantamos flores e colhemos;
na hora da paga pelo esforço,
lá estão eles como aves de rapina
a espreita para nos roubar, em nome
da nossa segurança; mas se nos defendermos.
é sobre nós que eles marcham e nos pisoteiam
com os coturnos que lhes demos; e
temerosos vivemos sob o slogan liberdade.
È chegada a hora de não ter mais medo,
afinal a vida é efêmera, acaba-se, sem aviso,
precisamos fazer valer a existência:
fazendo nossas horas segundo a segundo...


*Direitos Reservados*

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

CABERNET

O que eu menos esperava
nesse fim de ano turbulento
era encontrar uma sereia
me seduzindo com seu canto,
sentada em um cogumelo
no meu prato de sopa,
como numa dessas cenas de teatro,
enquanto o vinho aquece, o canto,
foi massageando as flores da sala
leve e carinhosamente como um origami
como faria Ana se aqui estivesse,
bebendo comigo essa taça de cabernet.

(Para a amiga Ana Catarina Romitelli)

MUDANÇAS

Os meus sonhos sobem
por uma escada rolante,
quem sou balança
em meio a um jardim
de cimento armado
repleto de flores hipócritas,
só nos jazigos observo
os corpos na posição exata
em silêncio, esperando
para se transformar em
outra coisa.

Se mesmo inerte pressupõe–se
em movimento, meu corpo,
como entender um movimento
inerte em vida?
Vasos de hipócritas
em silêncio e jazigos,
pedras no caminho,
uma coisa é outra coisa,
nada se aposenta nada é definitivo,
tudo é vida pra quem olha
além do mundinho inventado,
das teorias interiorizadas,
existe vida pra aquém de nós mesmos.

MARGEM

Quando digo que a chuva
chora,
que o rio gargalha
não é porque a chuva verte em lágrimas,
nem que o rio realmente se diverte,
é para alertar todos, a olhar pra margem,
pois unidos chuva e rio
transbordam por cima dela,
e ela, a margem ,continua
lutando pra não se afogar.

QUALIDADE

A maçã verde tem um cheiro ácido
verde que se quer verde,
não se envergonha e se avermelha,
vermelha viva e suculenta,
sem ser devorada entristece,
marron apodrece experiente
aguardando o fim do começo
do próximo movimento da vida.

PRA SEMPRE

Estou a surfar nas cristas de uma onda de mar,
misturando-me ao verde azul imenso,
a onda me arrasta apagando o caminho as minhas costas,
a brisa sopra me acariciando o rosto,
espumas sorriem as bordas da prancha,
vou sendo levado achando que comando meu trajeto,
eu vou, mas o mar, as ondas e a areia
ficam, permanecem pra sempre.

CINZAS

O céu chora uma chuva fina que cai
o vento se lamenta vez em quando,
lavando o tapete de flores de ipês
sob os resmungos do ranzinza trovão.
Uma lagarta na varanda faz buraco num casulo.
Abre-o, acende uma vela.
O pássaro da pintura na parede lambe os beiços.
Escapa da cela escura, pra liberdade.
A mulher do meu desejo foi pra longe espreitar outras possibilidades.
Outros homens, outros olhos, serão vistos e verão
que não se pode deixar o coração aberto com as flores da primavera:
Um pensamento de amor é uma lembrança de cinzas.

DÉJÀ VU

Ontem passou não é como hoje;
o que fiz já não faço da mesma forma
o conteúdo não é o mesmo.
O mundo, hoje, continua em movimento.
O Sol, a lua, nascem separados,
essa lembrança de que nada é para sempre
me incomoda, me faz refletir, dói muito.

Novamente recebo a paga do meu trabalho,
paguei todas as contas, pra minha existência,
até o prazer me custa, vago pelo escuro
do quarto, olhando as ruas iluminadas.

Da janela olho pra fora
E vejo você nas nuvens de cabelos negros,
voando pra longe em férias,
movimento de amor, sem happy end.

Tudo sempre diferente
tudo claro como o céu cinza
nesses meus devaneios num eterno déjà vu.