quinta-feira, 25 de maio de 2017

POEMA INÚTIL

Nas relações surdas e cegas,
não ouvidas,nos gemidos,
nos gritos, pulos, sussurros,
só se vêem gestos rápidos,
agora lentos, se opondo a nada.
Nada de graça, só cobranças,
que se desdobram, rolam, revelam,
o final de um tempo inútil.

AQUI

Nesse "aqui" nada inocente,
a pele vibra, embrutece, sente,
deseja e padece, em,
meu labirinto de agora,

na rugosa paisagem,
não sou cego, vejo o polvo,
com seus tentáculos de abutre,
corre povo! Não sossego,

corre, para, salta, agacha.
Distante na tensa calma,
a palavra, sílaba, fragmento,
narra o tempo,

unidos num agora a menos,
os cacos da militância de hoje.
Revejo a poesia, pois é apoesia,
tentando concentrar um "aqui".

E agora?

Resta-me buscar um sentido,
procurando perdidos entre os achados,
não encontro nem o verso do todo
entre os destroços no vazio.

Haverá uma saída?

As palavras tem pele,
é feita pelos sentidos,
oxigena os poemas
entre tantas coisas líricas,

o povo é uma bomba polvo,
de pavio curto,
escuta esse mundo redondo
explodir e girar.

SILÊNCIO

...Carrego muitos silêncios
que me habitam a todo momento,
mesmo os que não o tem como hóspede
com ele caminham ao vento...,

cada qual com seu silêncio de dentro,
como uma contínua lembrança
que invadem minhas e suas noites,
oco, inacabado, suspenso...,

como algo profundo e palpável, ou,
um deserto a saltar para fora
no chão do nada, buscando
esboçar um método...

SOBRAS

Se poesia fosse alimento
estaria eu morrendo
de obesidade mórbida,
mesmo enquanto a burguesia
palita seus dentes,
os poetas vão comendo,
correndo atrás das sobras.

DO OUTRO LADO

Nem te ligo Heráclito
mesmo nem sempre sendo eu,
o importante é conseguir
atravessar o seu rio.

terça-feira, 23 de maio de 2017

LEMBRANÇAS

Lembro-me das pequenas perdas
que a imaginação desloca,
preferiria ter perdido todas,
das grandes as pequenas.
As ausências são um bom silêncio,
as lembranças ficam nuas,
pequenas, adultas, adultas, velhas,
velhas querem morrer,
não sei pela sobra ou falta de amor.

SAUDOSISMO

Os adolescentes são crianças
no seu tempo, os invejo,
pois já me falham as lembranças.

Hoje tenho um fardo na corcunda,
carrego um calombo nas costas.





FIM DOS TEMPOS

Alguns dias enterro,
pois mortos eles não sonham mais;
que esses versos galopem,
os percursos cotidianos,
vivos, como os dias de ontem
que serão melhor um dia,
seguindo diferentes,
sem nunca olhar para os lados,
sob as lápides em cova rasa,
embaladas pelos dias mortos
com as horas que não mais avançam,
adormecidas, as lágrimas molham,
os dias mortos exaustos
que estirados soluçam.

terça-feira, 16 de maio de 2017

MULHER APENAS

Daniela
fresca
sutil

(vagalumes
iluminam
sua noite)


uma
mulher

linda
serena
misteriosa
apenas.

ATÉ AMANHÃ

Bocejo,
eu: mortalmente vivo:
respiro.
No jornal do dia
as crianças da noite,
em notícia.
Nos meus passos calibrados,
disparo um praguejo.
Nas calçadas
mijos e cusparadas,
com meu inútil
andar cotidiano.
No rosto dos postes e árvores,
um lambe lambe sensual,
a cidade fraciona até o sol,
o dia aguarda a noite sonâmbulo,
o tempo ainda não deixou de existir.

HOMEM CAVALO

Quando?
Acordado, liberto do celeiro,
relincho, serpenteio,
escoiceio o passado,
galopo o futuro
no homem cavalo de mim.

CRACOLÂNDIA

Dúzias, covas, ossos,
não há jardins na infância,
abracadabra, abocabraba,
fumaças e pedras no caminho,
o sinal de humanidade,
estão nos olhos do mêdo.

SONHO

Daniela baunilha
me olhava da frutaria
sorrindo com outras frutas,

por um segundo eterno,
de pele clara, cabelos negros,
lisos como um tobogã,

Um poema alheio
que se explicava,
por existir; para ser,

Hoje é uma onça
enjaulada, que não diz que é,
outra coisa que quer ser,

Lá fora chovia, os pingos bailavam,
Daniela sorria, eu soluçava,
outro dia, de vento e água no rosto,
enquanto o sonho vivia.



NADA É COMO ANTES

Os olhos com que te vejo,
não são os olhos com que te vi;
penso para me encontrar
como forma de me perder,

perdendo o passado de pouca idade,
não compreendo os saltos, os obstáculos,
com meus braços longos, pernas finas,
 procuram como forma de me achar,

entre achados e perdidos
as estórias hoje colho,
não são as sempre felizes,
são, quando as colho, de um tempo contrário,

as que não lembro, esqueço,
coisa pouca saliva a boca.
As que mais me lembro o poema contém,
dividindo as estórias com alguém,

fica o quarto, fica o parto,
o pasto, o choro, o riso,
o verso, inverso, fica de mim vocês,
eu guerreiro de lutas mortas,

feito de coisas lembradas e esquecidas,
como todos, fatigado de verdades e mentiras;
o tempo passa, com sonhos e denúncias,
lembrando as minhas duras perdas,

Os olhos com que te vejo,
não são os olhos com que te vi.

MELANCOLIA

Queria ter tido outro destino,
esse não planejei, fui indo com o vento,
de bem querer a mal querer.

Já tive mulheres e filhos,
que a ventania me levou,
joguei bola, bolinha de gude,
ri muito, fui contente,
hoje não tenho dentes.

Meu último amigo foi meu umbigo,
seco, lógico, ferido morro só,
alguns se vão como eu, de nada em nada.

O que me sobrou? Sobrou esse poema,
palavras de lamentos e recordações,
alguém que é utopicamente feliz,
um velho crocante de idade em idade,
se movimentando na barbárie.

Resta-me nessa mesmice, o som do violino,
esse mundo de múltiplas faces,
faminto de melancolias.