segunda-feira, 26 de junho de 2017

OLHAR POÉTICO

O olho da poesia
viu uma senhora alimentando moscas,
comendo rosas e dando água as árvores,
como uma pequena menina,

Falava com as margaridas,
fazia sopa de pedras,
dançava com a tempestades,
cantava para os passarinhos,

Tenho que fazer silêncio,
para meus dedos descansarem.

ÁLBUM DE RECORDAÇÕES

Cristina usava óculos,
gostava de usar jeans e camisetas,
admirava o som dos violinos,
enquanto lagarta falava comigo,
um dia saiu do casulo,
toda colorida, bateu asas de alegria,
tropeçou, caiu, levantou,
nunca mais me olhou,
caiu no álbum das minhas recordações.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

ABISMO

As mãos nas tuas nádegas,
a língua no teu ouvido,
ecoando te amo pelo corpo,
beijos, abraços, em cima,
embaixo, entre, sempre,
sempre é muito tempo!
nesta efêmera poesia e no sêmen, então,
o silêncio se transforma num abismo profundo.

SE ESSA RUA FOSSE MINHA

Disse-me hoje uma rua:
Sou a Gal. Jardim nº 32 - Centro,
- Atenção! Aqui tem gente morando!
Coisas que uma rua diz, através dos muros,
coisas que só saem da gente por escrito,

Na calçada uma senhora, urinava,
com a mesma calcinha rosa,
com os desenhos infantis de sempre,

A banca de jornal descansando no muro,
grita: Golllll!, Inflação e sangue,
frente a aqueles que palitam os dentes
e os que cagam e mijam felizes,

Ela está cheia de cães,
ligados aos donos pela mesma coleira,
numa convivência apática que os fazem iguais,

Os escritos no muro, serão poemas?
Não sei.
O que sei?
O autor do muro, me era desconhecido.

VIDAS SEVERINAS

O mundo é pródigo de pessoas,

Todos os dias brilham e caminham no tempo,
entre a destruição e a paz passageira poética.

Da minha janela que dá para o berçário
vejo muitos, como abelhas construindo um favo,

na lembrança outros enxames me assombram,
assim como os guerreiros, que morreram de overdose,

cochilo, sonho, exaurido,
entorpecido de vidas, num melaço de paixões.

TÚMULOS

O pobre não demora a ir para o céu,
o rico que o financia
demora muito mais,
só quando quer fugir de si,
as portas se abrem.

terça-feira, 20 de junho de 2017

A CAVERNA


Aos olhos do homem encarcerado, de repente,
um fio de luz iluminou, desvendando os olhos,
velho e adormecido, pelos grilhões da alienação,
as amarras se removiam, a cada passo para a luz,
já não tinha pernas para andar o mundo,
 já não tinha braços para carregar fardos,
já não tinha língua, só grunidas palavras;
a luz à sua frente como uma porta aberta,
já não conhecia portas nem janelas.
A esfinge havia lhe tirado o pensamento,
com tristeza, olhou as amarras, a venda, os grilhões,
urrou como um animal deu meia volta,

Correu para a sua escuridão.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

PREDADOR

A cabeça navega,
nas águas que banham um gato,
que devorou um canto, hoje,
na gaiola só se ouve o silêncio,
de um canário.

PALAVRAS

Do descanso romântico,
para o parnasiano exercício,
nasceram palavras tão lindas,
que não expressam nada...
nadinha de nada.

FELICIDADE

As crianças olham para as listras das zebras,
pensando em um arco - iris colorido;
por isso são muito mais felizes.

ORAÇÃO

Oh, lumpem!
meus dias são de lutas,
tensão, contradições...
Nada tenho a ver com aposentadoria!
Porque você não se torna um mastro?
Serviria ao menos para agitar a bandeira...
ou orar num altar com pão e vinho,
signo de um herói morto.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

CHORINHO

Eu vivo clarinetando a vida
lacrimejando os dias.
fui acolhido por um bandolim,
um cavaco, piano e pandeiro,
ao som de um violão.
Bem baixinho me dizia: Te amo!
Um acordeon.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

POEMA INÚTIL

Nas relações surdas e cegas,
não ouvidas,nos gemidos,
nos gritos, pulos, sussurros,
só se vêem gestos rápidos,
agora lentos, se opondo a nada.
Nada de graça, só cobranças,
que se desdobram, rolam, revelam,
o final de um tempo inútil.

AQUI

Nesse "aqui" nada inocente,
a pele vibra, embrutece, sente,
deseja e padece, em,
meu labirinto de agora,

na rugosa paisagem,
não sou cego, vejo o polvo,
com seus tentáculos de abutre,
corre povo! Não sossego,

corre, para, salta, agacha.
Distante na tensa calma,
a palavra, sílaba, fragmento,
narra o tempo,

unidos num agora a menos,
os cacos da militância de hoje.
Revejo a poesia, pois é apoesia,
tentando concentrar um "aqui".

E agora?

Resta-me buscar um sentido,
procurando perdidos entre os achados,
não encontro nem o verso do todo
entre os destroços no vazio.

Haverá uma saída?

As palavras tem pele,
é feita pelos sentidos,
oxigena os poemas
entre tantas coisas líricas,

o povo é uma bomba polvo,
de pavio curto,
escuta esse mundo redondo
explodir e girar.

SILÊNCIO

...Carrego muitos silêncios
que me habitam a todo momento,
mesmo os que não o tem como hóspede
com ele caminham ao vento...,

cada qual com seu silêncio de dentro,
como uma contínua lembrança
que invadem minhas e suas noites,
oco, inacabado, suspenso...,

como algo profundo e palpável, ou,
um deserto a saltar para fora
no chão do nada, buscando
esboçar um método...

SOBRAS

Se poesia fosse alimento
estaria eu morrendo
de obesidade mórbida,
mesmo enquanto a burguesia
palita seus dentes,
os poetas vão comendo,
correndo atrás das sobras.

DO OUTRO LADO

Nem te ligo Heráclito
mesmo nem sempre sendo eu,
o importante é conseguir
atravessar o seu rio.

terça-feira, 23 de maio de 2017

LEMBRANÇAS

Lembro-me das pequenas perdas
que a imaginação desloca,
preferiria ter perdido todas,
das grandes as pequenas.
As ausências são um bom silêncio,
as lembranças ficam nuas,
pequenas, adultas, adultas, velhas,
velhas querem morrer,
não sei pela sobra ou falta de amor.

SAUDOSISMO

Os adolescentes são crianças
no seu tempo, os invejo,
pois já me falham as lembranças.

Hoje tenho um fardo na corcunda,
carrego um calombo nas costas.





FIM DOS TEMPOS

Alguns dias enterro,
pois mortos eles não sonham mais;
que esses versos galopem,
os percursos cotidianos,
vivos, como os dias de ontem
que serão melhor um dia,
seguindo diferentes,
sem nunca olhar para os lados,
sob as lápides em cova rasa,
embaladas pelos dias mortos
com as horas que não mais avançam,
adormecidas, as lágrimas molham,
os dias mortos exaustos
que estirados soluçam.