quarta-feira, 26 de abril de 2017

O CÁRCERE

Anos de cárcere
levam a transformações psíquicas
pela repetição do tédio e inércia,
deixando dúvidas sobre nós mesmos.
Pensam o que penso, como penso?
Todo louco nega a loucura,
por não saber, não fazer juízo,
é uma coisa a cada instante.
Até não sei quando...
- Todo dia lutarei.

SEM RIMA

Não sou Gramsci,
não tenho livros,
nem canetas,
na minha caverna de Platão,

Minha concepção de mundo,
cabem em 9 m2 úmidos,
entre 18 homens secos,
sem lealdade intelectual,

Só me restam poemas,
sem rima.

RUMORES

É mais fácil esconder-se
por trás das portas,
fechar as janelas,
ficar ouvindo nuvens, até,
esperar o chegar das estrelas,
que lutar com os pés no chão
para alcançar o rumor dos passos.

VAZIOS

Bate a saudade,
o que nos resta,
o vazio.

O mundo a volta,
deixa sempre,
o vazio.

Nada preenche,
ele em si
mesmo com tudo,

nos enganando
com esse
vácuo.

Saudade por saudade
o vazio é todo
que nos resta,

a distância
silencioso buraco
que vou descobrindo.

TENTATIVAS

Todas as formas
tentadas e nada avança,
passos, sobre-passos,
caminhos tantos,

sem encontros,
certos, errados,
desencontros,
não acho,

não faço conta
das promessas
de ontem, de hoje,
tudo é incerto,

eu tento,
nem quero saber,
enquanto, quanto,
tentar tantas vezes,

dividido ao meio,
nem menos, nem mais,
quem sabe quando,
encantos, lugares?

Vou tentando
encontrar minha metade
acordando mais cedo,
amanhã.


FICANDO INFANTIL

O bom humor é a forma
que meu sentimento encontrou de ver ,
o resto é só extensão da felicidade
e um aumento de rimas
que concluem um poema,

entre metáforas e trocadilhos
vou bebendo palavras
imaginando o destino
com sorvete de pistache

então, nessa meia-idade,
infantil e lenta,
brinco de amor,
diante de olhares surpresos.

ROUPA NOVA

Transbordo de amor pensado,
assim como das margaridas despetaladas
de sim e não,
cuido das paisagens na janela,
estáticas que murcham
de desejos e alegrias, que,
derramo nas suas tristezas,
adolescente de quem sou filho.
Tudo é um risco
numa eternidade sem espaço,
assim que me trajo,
nem tanto nem tanto aquilo,
penitencias de mentiras,
que há de não ser.

PERGUNTA A QUEM QUISER

Nada deu certo,
tudo ainda é incerto.
O povo soa a camisa
- Para quê?

O fim do tradicionalismo chega,
depois o nosso, e agora?
Muda o mundo?

Amanhece, escurece, sobe, desce,
assim. Fome ao norte, ao sul,
ao leste e oeste,
as hienas comendo o que resta.

E agora? As hienas
continuam a rir, pois restam
muito povo pra comer,
e um cheiro de meu Deus.

Nem sei mais o que dizer. Pensar
demais me traz desconforto,
ouvir dói os ouvidos,
nessa grande mesmice.

Tudo sem mudar, tudo se transforma,
não há negação radical, não há novo,
de novo o mesmo sol,
a mesma chuva.

Ontem passou
Hoje já vai,
Como será o amanhã?

LINGUA

Você descobre
que o que sabe
não sabe. Há controvérsias.
Silêncio. Contradições.

Os dentes rangem
se mordem, com,
as palavras, na ponta
da língua, com a língua de fora.

Você descobre
que amor e valor
confabulam toda manhã,
engolindo a língua.

A língua é faca e foice,
anêmicas gêmeas,
na palavra do operário,
na garganta do patrão.

Lambuzam-se paralelas,
bolinantes pegajosas
no eterno bom gosto
salivar.

Você descobre
que as línguas serpenteiam
como vagalumes na noite,
no gesto dos amantes,

se abraçam, umedecem
como cúmplices, aos pares,
pelo mundo todo
a procura de um leito.


quinta-feira, 13 de abril de 2017

CRÔNICA POÈTICA

O homem
se decompõe
na calçada

O corpo
imagem
do óbvio

Entre míopes, transeuntes,
algumas palavras,
em rima, um registro,

O papel absorve
a tinta da poesia.

MARGARIDA

Olá Margarida!
Que alguns homens ignoram,
outros nunca conheceram.

Não há como sabê-la
só me resta colhê-la.

RATOS

Corruptos
roem
o povo

De repente
preguiçosos
gordos - vivem?
De aparência

Revelam-se
na barbárie
e muitos outros quesitos.

CIDADANEANDO

Cidadania é o ato
de votar sem saber

O saber desse fato
como olhar um buraco

Que te olha, presente,
de oração, sangue e miséria.

POEMA TROPICAL

A jabuticaba dos olhos
refletidas no espelho,
deixaram as maçãs do rosto
vermelhas,
diante de um maracujá
de gaveta,
passado; com saudades,
passará a adolescência?
Abacateiro acatarei teu ato,
viverei como um banana
nesse pomar de alegrias,
Eta mundão animal!

segunda-feira, 10 de abril de 2017

CANTEIROS

Minha casa tem muitos cantos,
que dão para outros encantos,
onde ficam janelas e portas,
por onde admiro meu jardim deitado,
onde cai de bruços a chuva.
As flores batem bola com os pingos,
as árvores? Nunca se vão,
obcenas, serenas, amor?
Nem me lembra!
Era uma vez...
uma poesia.

MATANDO O TEMPO

Hoje de ontem,
amanhã do sempre,
flutua nas roupas.

Que forma tinha o tempo que passou?

LÚMPEN

Morrer de fome
sem lutar
é deixar o corpo
ao Deus-dará
o voto é um demônio,
herança do nosso umbigo.

Morrer é mais bonito.

TEMPORAL

Chuva nos lábios,
pernas molhadas,
pescoço eriçado,

tamborins e cuicas
sambam no peito,

entre borboletas e um colorido beija-flor
melaninas se fundindo,
entre, em cima, em baixo, suores,
salivando o céu da boca.

O dente do juízo, indeciso,
rangia um corpo, com medo,
prenuncio de um temporal.


sexta-feira, 7 de abril de 2017

TE PREPARA

Pra você estou comovento
- O vento que arrasa tudo -
Te prepara pra ventania!

DE PAPAS PRO MAR

Hoje minha fantasia
de Tartaruga
coloca lentamente
a cabeça pra fora.

Nada a fazer:
- é hora do almoço!
Na mesa farta,
uma Rã de pernas abertas.

Não vou me avexar,
não tenho saída,
vou brigar com Siri
depois escutar a Orca cantar.

Hoje estou mareando.

ARRASTO

Tenho uma brisa no peito,
leve,
Dou de presente ao seu peito,
suave:
Uma ventania que arrasta
o que penso.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

BREVES LEMBRANÇAS DE DANIELA

Intrasubjetiva, boca de beijos,
cabelos cascatas negras,
olhos de mariscos, pele em neve,
num fundo preto,

num sentar suave
de um corpo demente
tamborilavam dedos
no seu livro de conflitos

No sorriso depravado
que quebrava o silêncio,
lembro que voava
adormecida na calma da lembrança

Na garganta, muda, um nome,
que à ausência não cabe gritar,
o destino se fez caminho
que não levam mais as cavernas

O corpo cresceu entre as pernas
que despetalavam girassóis,
escassos que já não cheiram,
a carne, os seios e o sorriso.



TROCADILHOS

Não troco chinês por japonês
nem siamês por francês
muito menos chinelo havaiana
por bunda de baiana,
tenho dois braços, duas pernas, sorte a minha,
posso rastejar ou correr,
fugir da caverna, romper o casulo,
borboletar e morrer.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

ESPERANDO O MORTO

Por trás do violino doce,
recostado no peito,
serro as cordas,
morto, onde?
Os vagalumes ascendem, brilham.

No crematório
o som das chamas,
melancólicas, do silêncio,
antes de me doer o peito,
pelo sorriso da amada.

Um tucano
selvagem
sob as árvores
um coração fragmentado, caminho.

Só, na mesa gelada,
a barriga sem ronco,
nem é primavera,
nesse mundo de Deuses.

EM 3D

Negro me vejo no espelho a maneira branca,
num modo narciso de se ver, alma branca,
o resto tem haver com o mesmo céu,
as mesmas nuvens, onde o olhar alcança,
então,
voo sobre o soalho do oceano,
me perco na paisagem,
um vai e vem de águas e ventanias,
que me afugentam.
Divido-me em cores primárias,
como personagem de um quadro.

DESMATAMENTO

Germinei com o andar dos outros,
ereto, um chimpanzé, com nome e sobrenome,
germinei com as roupas que vestiam,
tornei-me flor em tudo, no vaso de todos,
ramos, galhos, raízes, numa floresta,
tronco parado, modelado, defecado por pássaros,
singelas folhas ao vento, desconfiado,
a madeira rústica tinha escamas,
entre um sol amanhecendo e cascos crispados,
à espera da serra elétrica.